Frágil


Um leve sopro me faz flutuar
No cheiro ácido do limão
Terra batida no canto do pássaro
Que depois da chuva, estufa de alegria

Junto ao tronco rosado do ipê
O vento leva folhas salpicantes
Contato este que traz desassossego


Me pareço, tem vêzes, como uma avenca
Frágil, indócil, no meio do campo em desalinho
Ou então, tal como filhote indefeso
a esperar ansioso comida no ninho.

Clara Idade



No varal, ao sol , vejo penduradas
As roupas que ontem usei
Correndo atrás de um tempo fugitivo
Por toda uma vida
Cortejo, apaixonadamente, a poesia que desperdicei

Disformes, vejo as asas da gaivota que pintei
São pequenas, mas seu vôo é libertador
No sutil e leve espaço de ser
Minhas tristezas duram apenas uma noite
Amanheço, todo sempre, com uma esperança lilás

Diluída em água corrente
Atravesso as paredes do intenso vazio
Colorindo com lápis de cor
Desenhos de um teimoso destino
Feito e refeito em suaves curvas.

Doce


Ao meu filho Davi



A doce música vinda do seu quarto
Transporta-me para um tempo em que sonhei
Via nas nuvens tatuado
Um rosto como o seu, a me olhar


O suave perfume que vem do seu quarto
Toca profundamente em meus anseios
Movimento lento, silente
Intacto e emoldurado
Do eterno instante em que te vi


Amor e sonhos convergidos
Impasse que o destino leu
No calor que sempre emana
Do ventre que te protegeu.


Nas paredes brancas
Sou a protagonista
Do sonho que ontem ousei ter
Passado e presente transpassados
De mãos dadas, vida a fora
Escritos num filho que me faz crescer.

Às Oito


O Dia nasce cinza
Em volta casas, árvores e o tempo
Em torno da lâmpada, meu eterno começo
O vento imóvel se cala

Em oito anos de solidão
Sobram oito meses de pura paixão
Faltam, sempre, oito minutos para ser feliz
Em oito décadas de vida, desejo
Que meus braços contornem o mundo

Signos na pele
Tatuam as oito sensações
Às oito te encontro, nas constelações
Em infinitos instantes para se perder.

Toque de Lavanda




Longe, bem longe da infância
Há um lugar onde caminhos nos seduzem
Bem perto de uma certa sabedoria
Onde só chega quem consegue sentir

No porto onde se prediz o futuro
Juntos todos os encontros são felizes
Na sempre condição de ser única
Centrada no meio da multidão

Como um pétala solta da flor
Voando por terras nunca vistas
Numa ânsia de ir cada vez mais longe
Deixando rastros no caminho de volta

E no ar
Um suave perfume de lavanda
Indo além onde meus olhos não conseguem ver
Nesse tom lilás
Onde me deixo transcender

Despedida



Jamais em suas terras entrei
Sem que antes me desses permissão
Bebendo da mesma bebida
Tontos, juntos, ficamos
Como despedir-me
Sem nada de ti levar?

Podes até me devolver os presentes que te dei...
Mas como abandonar o sonho que nos guiou?
Se nos vejo juntos movendo os dedos para alcançar o sol;
Dançando enlouquecidos para alcançar o céu...

Depois de um ontem entorpecido
Levanto só para um novo dia
Com sua companhia etérea
Presente em meu campo de violetas

Choro sua partida, porém,
Como despedir-me ?
Se nada de ti, em mim, foi embora?

A Borboleta Azul


Certa vez , me disseram, que eu tinha muita imaginação. Na época levei isto como uma crítica não construtiva, mas agora olhando bem, posso admitir que esta é a minha melhor faceta.

Imaginar nos leva longe demais, tão longe que acabamos por descobrir terras ainda não habitadas. A imaginação me trouxe até aqui...

Certo dia uma linda borboleta azul pousou no meu ombro. Fiquei pasma com tamanha audácia, mas deixei-a ali, aproveitando-me de sua rara companhia.De súbito, saiu a bater suas frágeis asas. O seu azul foi um convite a lhe acompanhar, e a segui pelo caminho que iria dar num abismo.

Olhei para baixo e a altura me fez tontear...

Mas a borboleta azul não se intimidou e seguiu com o seu voar por aquela imensidão!

Com a coragem e alegria de viver que nos invade de vez em quando, me lancei de braços abertos tal qual aquela borboleta!

Ah! Que surpresa a minha!

Descobrí naquele impulso, que se lançar num espaço vazio, era como usar a imaginação e eu também podia voar !

Voar como uma borboleta azul!

Contratempo


Condensado em uma nuvem
Todo desejo imóvel alí espreitava
Inchou-a tanto, por tanto tempo que a explodiu!...

Dela caíram milhares de pingos dourados
Encharcando a árida terra.
Brotaram então, tímidas sementes de trigo
E um intempestuoso amor por você!

E apesar do tempo
Contra o tempo,
Contra o vento,
Contra tudo
Lindos tempos vieram...

Fugitivos


Seus contornos me rodeiam
Num espécie de raro torpor
Jorram palavras não ditas
Desejando a frase quase maldita

Em ti, com tonturas, encontro
Algo similar que temia perder
Te encontro, sem nitidez, antes da minha partida
Sem perceber...

E agora, o que fazer?
Se antes do claro amanhecer
Um amor, bêbado, nos flagrou?

Lá fora, a vida aflita devora
Cada pedaço perdido do desvario
Ofegante respiração entrecortada...
Lembranças, bruscas, fragmentadas...

Uma mera coincidência de amar
No espaço, num instante de olhar
Juntos, medo de perder...
Separados, medo de encontrar...

Sumo



Desde que me descobri em seu olhar,

Conduzi o tempo a um novo ritmo,

Desviei o riacho a um novo rumo,

De todas as flores tirei o sumo,

Em minha solidão refiz o prumo.

Flôr do Tempo


Da sementeira
Aonde plantei o amanhã,
Caíram, feito galhos, nossos olhares,
Num adeus que nunca se concretizou.

Entre os eucaliptos
Por onde eu caminhava de volta para casa,
Nasceram duas flores amarelas,
Simbolizando que um dia estivemos ali.

Às margens de um rio que se faz sempre verde,
Uma estória se findou, sem nem mesmo ter começado.
Três Corações reunidos, para sempre, em um coração somente.
Apenas as impossibilidades são eternas...

Gôsto de Mel


Há de ouvir
O incessável cantos de pássaros
Que nunca voam sobre o mesmo campo
Eternizados no céu,
Como em um quadro de molduras douradas.

Há de ver
Por todo caminho,
Pétalas marfins espalhadas
Onde, por todas a manhãs, com fascínio, caminho.

Pela fresca estação, todo o encanto fulgaz me seduz
No dia, há cores, que pintam, sem cerimônia, minha tez
Na noite, só os sonhos, com gôsto de mel, posso ter.

Ametista




Defino tal qual ourives
O lado, de todos, mais lapidado
Tonta, girando em seus ápices
Liso, multifacetado
Feita da pedra bruta
Cortes na gema lilás
Livre com polidez
Nas espirais de fumaça alecrim
Revivência na pura solidez
Na ametista que existe em mim

Paixão


Ao vento, meu corpo suspendo
Intuito que eternize o momento
Volúpia, densa sensação
Esta, que aflige, a de uma paixão

Atravessa o peito em segundos
Horas parecem segundos
Surreais, dias parecem sonhos
Sonhos parecem reais

Adolescendo como uma onda
Respiro o ar doce novamente
De viver plena e intensamente

Sóbrios, porém ébrios com ardor
Encontro-te fulgás do teu próprio medo
De ver que a paixão um dia se torna amor

Em Busca de Si mesmo


Se um certo "nada" é crescente
Dentro do seu íntimo, dentro do seu ser
Um "nada" que angustia, parte e oprime
Pode ser aí o seu ponto de partida.

O início de uma longa jornada
Onde só você é o peregrino
Pés descalços, sem artifícios
Andar em busca do próprio destino.

Lá, bem longe, ou aqui, bem dentro
Pode estar à espera, colorindo
Uma pérola perdida num labirinto
Onde só você pode encontrar.

Cada qual tem seu jeito, seu caminho
Nas entranhas a existir
Mergulhe, solte-se, fale!
De algumas coisas desista;
De outras insista!

Mortes e nascimentos o esperam
No caminho estreito, só de um,
Tornando-se sujeito de si mesmo
Livre flutue então,
E a pérola colorida, sua será.
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