Quiromante


Solto meus cabelos
Para que eles, ao movimento do vento,
possam laçar você para junto de mim.

Num olhar que eterniza,prendo a respiração,
e num suspiro
Destruo os antigos relógios,
enfeitiçando para sempre um tempo que passou.

Sorrindo e correndo pelas pradarias,
perfuro o ar gelado com o meu corpo,
com intuito de abrir janelas do passado de nós dois.

Inicio-me com herói,
em uma guerra de um homem só,
Salvando memórias destruídas
Em uma fonte de águas cristalinas.

Como quiromante,
percorro tuas linhas da mão,
Tentando encontrar ainda meus rastros, minha imagem...

E no monte de Vênus,
Te espero, acordada,
para que você não escorra,
assustado,entre meus dedos,para longe de mim.

Infância


Tenho saudades de mim... Criança!
De um tempo em que, todo tempo era um tempo todo meu...
Das roupas nos varais e o cheiro de leite e bolinhos de chuva, à tarde.

Compondo canções num piano amarelo, músicas que embalariam brincadeiras sutis e demoradas.
Saudades em que todo tempo era tempo dedicado à imaginação...
Ser feliz era brincar de amarelinha, e o sol dourado fazendo sombras nas mãos, que viravam bichos animados nas paredes; e a comida era um simples punhado de matinho, colhido fresco, num prato de plástico. Água suja de terra fazia um café quentinho para aquecer as visitas.
E o mundo inteiro cabia debaixo de uma casinha de um metro, com móveis de madeira rosa.
Tinha a profissão que desejava, e num piscar de olhos, uma professora passava a ser aeromoça, ou um motorista de ônibus... Ou presidente de um país distante!
Um branco papel virava um barco em mares revoltos, ou uma linda gaivota voando alto demais!...Perto de Deus, talvez...
O céu tinha a cor do desejo de ser feliz.
Mas, as nuvens passam depressa demais!...
E carregam nos braços, sem permissões consentidas, toda uma tímida infância... Apenas resta um caminho a escolher: O caminho de crescer!

Grão de Areia


De mim, senão...
De ti, sei não...
De nós, sei lá...

Sei até onde a verdade me oferece
Sei até o fio da teia que aranha tece
Sei do norte que me tonteia
Sei do ínfimo grão de areia
Que na ampuleta me orienta

Sei do jogo de cálidas palavras
Do júbilo da tarde que jamais anoitece
Da sabedoria das coisas pequenas
De todas as interrogações terrenas
Onde minha poesia floresce

Oblíqua Condição


Alheia a intuições
Contrária a convicções
Junto com o tempo: o amor
Permanente sensação
Oblíqua condição
Estar ardente, e contra o vento...


Indo em direção oposta
A tudo em que há apostas
O desejo não tem lei imposta
Ruma a favor do perigo, do desatino...


Queima, sem fogo haver
Arde sem ser verão
Solto corre, sem amarras
Surpreende, emociona, a contragosto


Mergulhada em pensamentos...
Distraída em soltas imagens...
Não reparei, que de repente,
Nuvens se dissiparam
E o sol, em meus olhos, voltou a brilhar...

Clara Idade


No varal, ao sol , vejo penduradas
as roupas que ontem usei
Correndo atrás de um tempo fugitivo
Por toda uma vida
Cortejo, apaixonadamente,a poesia que desperdicei

Disformes, vejo as asas da gaivota que pintei
São pequenas, mas seu vôo é libertador
No sutil e leve espaço de ser
Minhas tristezas duram apenas uma noite
Amanheço, todo sempre, com uma esperança lilás

Diluída em água corrente
Atravesso as paredes do intenso vazio
Colorindo com lápis de cor
Desenhos de um teimoso destino
Feito e refeito em suaves curvas.

Frágil



Um leve sopro me faz flutuar

No cheiro ácido do limão

Terra batida no canto do pássaro

Que depois da chuva, estufa de alegria



Junto do tronco rosado do ipê

O vento leva folhas salpicantes

contato que traz desassossego

Me pareço, tem vêzes, como uma avenca

Frágil, indócil, no meio do campo em desalinho

Ou então, tal como filhote indefeso

a esperar ansioso comida no ninho.

Rascunho de si mesma



Rolou abrupta escada abaixo
Angústias e tristezas a empurraram
Cruzando despenhadeiros de sua alma
Recolheu no lixo sua própria imagem.

Na loucura própria de quem ama
Refletiu-se em delírios numa tela branca
Assistindo o filme de sua longa estória
Assumiu a direção de sua própria vida

De suas amargas lembranças, despediu-se
De suas velhas roupas, desfez-se
Fechando todas as portas de seu passado
Deitou-se, dormindo esperanças.

Aturdida, a si, pediu perdão
Na noite ficou, amanhecendo com o sol
Pode ver, no rascunho de si mesma, seu fresco reflexo
Pronto, refeito, repleto de novos devaneios.

Vinho Maturado



Como vinho maturando

Versos soltos ficam dentro de mim

Quietos e repousantes

Procurando um sentido,

Afinando o gosto,

Traduzindo o paladar...

Lua Minguante


Se já não sou

Se já não estou

A lua inteira se faz minguante...

Auto-Retrato



Gosto do silêncio

Onde se escutam os pensamentos e o coração bater

Gosto da profundidade das águas... E da alma.

Sou do contra

Gosto da margem ...

Ascendente em fogo, alma de hippie

Pés no chão de uma estrada com direções opostas

Sou um leve papel cintilante no meio do vendaval

Um gosto picante na uva doce

Mistério acalentado na mistura de gerações

Sou um rosto em suaves mudanças

sendo levado pelo vento agressivo do tempo.

Ausência


Num cálido poema
Junto às paredes desenhadas
Vejo um jardim à espera de flores.

Embalando a eterna infância
Ouve-se singelas cantigas
Derradeiros sonhos

Escapados entre os dedos.
Sons de um vazio
que se deixam ensurdecer...

No espelho exilado
a imagem de uma porta aberta para a ilusão
Reflete saudoso o estranho vulto
de um doce alguém que já se foi.
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